quarta-feira, 27 de julho de 2011

Eca, que horror!

Segundo matéria publicada na edição da Istoé de 06/07/2011, na última década, o número de crianças de menores de 14 anos responsáveis pelo sustento de suas famílias no Brasil passou de 12.500 para 132.000 - um aumento superior a 1.000%. A matéria atribui a informação a dados preliminares do censo de 2010 do IBGE.

Desde o último dia 22 de maio, convivo com o mal-estar causado por uma matéria do Diário Catarinense, que tratava do caso de uma criança que chegou ao extremo de ser assassinada, por um homem que alegou desentendimento pelo preço de uma relação sexual.

Segundo outra matéria do DC do dia 16/05, a vítima tinha 11 de idade, mas aparentava 8 ou 9, por ter um corpo mirrado. Ainda assim, atuava como prostituta profissional, às margens da BR 101, em Tijucas.

Afirmam que ela foi recolhida das ruas pela policia mais de 40 vezes. Tinha passado por um abrigo, mas sempre era devolvida para a família. Os representantes do Conselho Tutelar ainda dizem que fizeram todo o possível e lançam a culpa sobre a família.

Entendo que a família pode ser culpada pela primeira desgraça dessa menina, mas a sociedade assumiu a culpa ao devolvê-la aos pais. Passou a ser cúmplice, conivente com todo esse absurdo.

Afinal, que política pública é essa? As autoridade sabem que uma família atua de modo negligente ou criminoso e permitem que uma criança continue a mercê dessas pessoas? sem nenhuma proteção, prostituindo-se numa via pública.

Apesar de tão escandaloso, esse caso só ganhou manchetes porque um homem empregado e casado, com a esposa grávida, acabou por matá-la a socos. Deixou-a num matagal, onde seu corpo foi ainda alvo de abutres.

Quantas meninas conhecidas da polícia, dos Conselhos Tutelares e do Ministério Público vivem nas mesmas condições? em cidades como Tijucas, que tem apenas 31 mil habitantes, ou seja, uma cidade pequena.

Fica claro, portanto, que as instituições públicas são absolutamente negligentes em relação à proteção às crianças. Como ousamos ter ainda uma legislação que proíbe as pessoas honestas e bem intensionadas de oferecerem um trabalho digno aos jovens?

Em 1973, burocratas da OIT - Organização Internacional do Trabalho criaram uma convenção internacional sobre idade mínima para admissão em emprego, que pretendia já a total extinção do trabalho infantil.

Por certo, tratava-se de burocratas de países com economia desenvolvida, na época ainda estável, onde o controle de natalidade estava já bem estabelecido, havendo casais que optaram por nunca ter filhos, ou ter um, dois, no máximo. Países que têm um sistema de educação pública bem estruturado e programas de proteção a crianças e jovens desamparados ou maltratados.

O Brasil reeditou essa legislação, sem se incomodar com o nível de seu próprio desenvolvimento econômico nem com qualquer estrutura de assistência e proteção àqueles que vivem em situação de risco. Acabou por restringir ainda mais o trabalho dos jovens, proibindo também a educação para o trabalho.

O artigo 6° da referida convenção internacional autoriza o trabalho de crianças e jovens dentro de quaisquer instituições de ensino, em programas educacionais, restringido a idade apenas para o trabalho de aprendizes em empresas.

Mas a lei 10.097/2000 diz: “É proibido qualquer trabalho a menores de dezesseis anos de idade, salvo na condição de aprendiz, a partir dos quatorze anos”. Ou seja, a lei brasileira proíbe que haja aprendizes menores de 14 anos, em quaisquer instituições.

Além de proibirem, colocaram a lei em prática, acabando com as aulas de Iniciação para o Trabalho, que havia nos currículos das escolas públicas, nas quais ensinavam trabalhos manuais. Até mesmo destruíram as hortas que havia nas escolas, onde ensinavam a plantar legumes e verduras, que ainda contribuíam para a merenda escolar.

A convenção internacional também faz uma ressalva às unidades econômicas familiares, no inciso 3 do seu artigo 5°. Mas estas, no Brasil, foram o primeiro alvo dos conselheiros titulares, que não abrigam nem alimentam – tampouco têm recursos para enfrentar cafetões e traficantes. Mas estão dentro de todas as comunidade e têm autoridade para constranger os pais e qualquer pessoa que tente dar uma oportunidade a estes jovens de aprender um trabalho honesto, com o qual possam se sustentar e desenvolver uma profissão, ter uma perspectiva de futuro.

Em nenhum sociedade é possível que todos cursem faculdade e sejam doutores. Mas é imprescindível que todos possam ter uma profissão. A maior parte dos trabalhos braçais só é aprendida na prática. Entendo que é difícil ensinar um adulto que nunca teve familiaridade com o trabalho pesado. Então a adolescência é a fase mais adequada para isso.

Lembro que, há alguns anos, um programa de televisão fez uma pesquisa por telefone, pedindo que o público dissesse se é contra ou a favor do trabalho infantil, tentando assim justificar essas leis. Mas nenhum dos que se disseram a favor da proibição legal foi intimado a contribuir para dar alimento, proteção e educação às crianças pobres desse país.

Os números agora mostram que o Eca e outras leis conseguiram, sim, afastar os pais de suas famílias. Desautorizados, impedidos de levar o filho para trabalhar como ajudante de pedreiro, marceneiro, carpinteiro e sem condições de sustentá-los até completarem dezesseis anos, com o valor dos salários pagos neste país, os chefes de família desapareceram.

O censo prova isso, mostrando esse crescimento assustador do número de crianças responsáveis pelo sustento de suas famílias. Mas também obrigadas a se sujeitar a muitas formas de abusos e constrangimentos, porque o único meio de obterem esse sustento agora é na clandestinidade.

Na prátia, portanto, as leis que proíbem os jovens de trabalhar apenas proporcionam mão-de-obra fácil aos traficantes, cafetões e outros criminosos. Ou seja, acaba por facilitar a exploração de crianças nas “piores formas de trabalho infantil”.

Reprodução autorizada

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