Querem
criminalizar gravações em qualquer ambiente; permitir que
condenados por crimes contra menores de idade continuem em posse de
cargo, função pública ou mandato eletivo; insistem em criminalizar
a proposta de delação premiada a presos e pactuaram
votar o projeto ainda com
pressa: em apenas três semanas.
Analisando
mais detalhes do PLS 280/2016 identifica-se outros graves absurdos no
texto original do senador Renan Calheiros que estão mantidos – um
deles até de forma mais grave –
no substitutivo apresentado pelo atual relator o senador
Roberto Requião.
Cargo, função pública e mandato para autoridades condenadas por crime contra crianças e adolescentes
O
artigo 41 do projeto original e 43 do substitutivo atual, diz:
A
Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, passa a vigorar acrescida do
seguinte artigo 244-C:
“Art.
244-C. Para os crimes previstos nesta Lei, praticados por servidores
públicos com abuso de autoridade, o efeito da condenação previsto
no artigo 92, inciso I, do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de
1940 (Código Penal), somente
incidirá em caso de reincidência.
Isso
significa que pretendem estabelecer em lei que, mesmo abusando de sua
autoridade para praticar os crimes previstos no Eca, Estatuto da
Criança e do Adolescente (lei nº 8.069/1990) – como exploração,
abuso, prostituição e corrupção de menores –, e mesmo depois de
condenados por esses crimes, os criminosos poderão continuar em
posse de cargo,
função pública ou mandato eletivo.
Pois
os termos “somente incidirá em caso de reincidência” deixam
claro que pretendem manter o cargo daqueles que forem condenados uma
primeira vez, ou seja, um “coronel”: prefeito, policial,
delegado, promotor de justiça e outros, depois cumprir pena,
voltariam a exercer a função.
O
artigo referido do Código Penal trata de efeitos de uma condenação
por qualquer crime. Ou seja, pretendem excluir os efeitos de uma
primeira condenação quando o crime for definido no Eca. Como se
crianças e adolescentes fossem vítimas de menor importância e como
se as autoridades tivessem o direito de cometer esse tipo de abuso e
exploração contra aqueles que possuem menor capacidade de
defender-se.
Esse
artigo deixa bem clara a pretensão de favorecer a prática de abuso
de autoridade e de outros crimes.
Empecilho para fazer valer autoridade de pai ou tutor
Em
seu substitutivo, o senador Requião ainda acrescentou outro artigo:
Art.
9º Decretar
prisão preventiva, busca e apreensão de menor ou outra medida de
privação da liberdade, em manifesta desconformidade com as
hipóteses legais:
Pena
– detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Se
isso for aprovado, um pai pode enfrentar muita dificuldade, se tentar
obter ordem judicial para retirar uma filha do poder de abusadores.
Pois hoje há leis que se contradizem nesse tema.
Apesar
de o artigo 1.634 do código civil dizer que os pais têm direito de
manter os filhos em sua residência: “reclamá-los de quem
ilegalmente os detenha”, a lei 11.106/2005 revogou os crimes
de rapto (artigo 220) e sedução (artigo 217) de menores a partir de
14 anos.
Com
essa revogação, o consentimento da vítima garante impunidade aos
abusadores, gerando evidente constrangimentos a pais e tutores que
decidam reclamá-los.
Isso
ocorreu com base em parecer da senadora Serys Slhessarenko (veja
matéria de 07/10/2015 deste blogue:
http://soniardecastro.blogspot.com.br/2015/10/covarde-legalizacao-do-abuso-sexual.html).
Essa
revogação foi uma primeira etapa de algumas alterações na
legislação, feitas com o intuito de estabelecer liberdade sexual a
adolescentes.
Essas
alterações sempre foram realizadas de forma obscura. Pois, se
fizessem isso de forma clara, teriam que enfrentar a grande oposição
da sociedade. E, se revogassem também o artigo que trata do poder de
pais e tutores, teriam que revogar as disposições que tratam das
obrigações.
Pois
como poderiam estabelecer em lei que pais e tutores continuariam
obrigados a sustentar e orientar os menores de idade, estabelecendo
de forma clara que já não teriam o poder de determinar o que
poderiam fazer?
E
se o Estado não tem estabelecimentos adequados para manter nem mesmo
adolescentes negligenciados por seus pais, como poderiam oferecer
abrigo a esses que receberam liberdade para determinar que seus pais
nada podem fazer contra seu sedutor ou raptor?
Mas
houve um tempo em que era fácil revogar de modo obscuro disposições
contrárias de leis anteriores. Pois era possível fazê-lo sem
especificar as disposições que revogavam, usando apenas os
termos“revogam-se
as disposições em contrário”. Mas a LCP 107/2001 mudou o artigo
9º da LCP95/1998, passando a exigir que as disposições revogadas
sejam especificadas no texto da nova lei.
Com
isso, devem hoje estar com dificuldade para fazer prevalecer nos
tribunais as disposições da lei que estabelecem liberdade sexual
aos menores de idade. Pois, ao revogar os crimes de rapto e sedução
de menores, não revogaram as disposições contrárias do artigo
1.634 do código civil.
Assim
fica evidente que o referido artigo 9º do substitutivo do senador
Requião pode ser um modo de constranger juízes a fazer prevalecer
os termos da lei que estabelecem liberdade sexual a menores, a
partir de 14 anos de idade.
A pretensão de criminalizar a gravação de áudio
O
artigo 42 do projeto original diz:
O
artigo 10 da Lei 9.296, de 24 de julho de 1996, passa a vigorar com a
seguinte redação:
''Art.
O. Promover interceptação telefônica, de fluxo de
comunicação informática e telemática, ou escuta
ambiental, sem autorização judicial:
Pena-
detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
E
do substitutivo do senador Requião:
O
art. 10 da Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, passa a vigorar com
a seguinte redação:
“Art.
10.
Constitui crime realizar interceptação de comunicações
telefônicas, de informática ou telemática, promover
escuta ambiental
ou quebrar segredo da Justiça, sem autorização judicial ou com
objetivos não autorizados em lei:
Pena
– reclusão, de dois a quatro anos, e multa.
Parágrafo
único. Incide nas mesmas penas a autoridade judicial que determina a
execução de conduta descrita no caput,
com objetivo não autorizado em lei ou com abuso de poder.” (NR)
A
lei 9.296 trata apenas de comunicações
por meio de aparelhos: telefones e
“interceptação do fluxo de comunicações em
sistemas de informática e telemática”.
Assim
já é estranho que incluam naquela lei a criminalização das
gravações em ambientes. Mas um artigo que criminaliza “escuta
ambiental” soaria ainda mais estranho. Pois o projeto trata de
abuso de autoridade e escutas ambientais podem ser realizadas por
qualquer indivíduo, para só depois serem entregues às autoridades.
Assim
fica claro que essa pretensão de acrescentar “escuta
ambiental” nesse projeto é mais um embrulho que pode gerar muita
confusão.
Pois
nada consta no texto do projeto que restrinja a proibição de
realizar escutas a conversas particulares nem a ambientes fechados.
Se
for aprovado dessa maneira, esse artigo permitirá ao político
acusar de crime aqueles que gravarem suas declarações, podendo
atingir talvez até jornalistas. Pois tampouco consta algo no texto
do projeto que impeça esse tipo de aplicação.
Como
o projeto também pretende criminalizar o uso de prova obtida por
meio ilegais (artigo 26), esse artigo pode impedir a obtenção de
prova por meio de gravação de áudio.
Isso
significa que gravações de pronunciamentos que representem crime
poderão reverter-se contra os denunciantes e os denunciados poderão
ainda posar de vítimas.
Criminalização da delação premiada
Retiraram
o teor do artigo 13 do projeto original que criminalizava qualquer
proposta de delação premiada: “Constranger
alguém, sob ameaça de prisão, a depor sobre fatos que possam
incriminá-lo”.
Mas
mantiveram o teor do parágrafo único daquele artigo no inciso II do
artigo 15 do substitutivo: “constrange a depor, sob ameaça de
prisão, pessoa que, em razão de função, ministério, ofício ou
profissão, deva guardar segredo ou resguardar sigilo.”
E
mantiveram parte do teor do artigo 11 original no artigo 13 do
substitutivo:
Art.
13. Constranger o preso ou o
detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua
capacidade de resistência, a:
(...)
III
– produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro.
Pena
– detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, sem prejuízo
da pena cominada à violência.
Retiraram
apenas a expressão “fora dos casos de tortura”, que consta no
projeto original, conforme transcrição abaixo, deixando menos
evidente ou mais obscura a relação com proposta de delação
premiada
Art.
11. Constranger o preso ou detento, mediante violência ou grave
ameaça, ou depois de lhe ter reduzido, por qualquer meio, a
capacidade de resistência, a:
(...)
III - produzir prova contra si mesmo, ou contra terceiro,
fora dos casos de tortura.
Apesar
de o texto disfarçar ainda seu propósito, “redução de sua
capacidade de resistência” é algo que ocorre naturalmente com o
oferecimento de vantagem por meio da proposta de delação premiada.
No
mínimo o artigo deveria ter um parágrafo especificando que não se
enquadram como tal as propostas de delação premiada realizadas com
base na lei 12.850/2013.
O
Senador Ricardo Ferraço pediu exclusão disso, na emenda 9. Ao
justificar esse pedido, disse:
O
inciso III, “produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro”,
em relação aos presos e detentos, terá como efeito a inibição
dos acordos de delação premiada nestas circunstâncias, pois sempre
se poderá alegar que foram celebrados em razão “da redução de
sua capacidade de resistência” em razão da privação da
liberdade.
Mas
o senador Requião rejeitou essa emenda, afirmando em seu parecer:
“Rejeitamos
as Emendas nº 09 e 10-PLEN, porque as condutas que pretendem
suprimir configuram evidentes abuso de autoridade, não se podendo
confundi-las com crime de hermenêutica, aliás já ressalvado nos
termos do parágrafo único do art 1º do Substitutivo.”
Vê-se
que ele não negou que o objetivo é punir promotores ou juízes que
façam proposta de delação premiada a réus presos. Tampouco negou
que o objetivo é também anular processos nos quais sejam incluídas
provas obtidas a partir desse tipo de delação que está prevista em
lei.
Pretensão de dar a criminosos oportunidade para destruir prova, constranger testemunhas e preparar-se para interrogatório
O
substitutivo apresentado pelo senador Requião introduziu a exigência
do ex-presidente Lula, acatando teor de emenda apresentada pelo
senador Aloysio Nunes Ferreira,
pretende criminalizar a
“condução
coercitiva”, nos seguintes termos:
Art.
10. Decretar a condução coercitiva de testemunha ou investigado
manifestamente descabida ou sem prévia intimação de comparecimento
ao juízo.
Pena
– detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
Na
emenda 10 antes referida, o
senador Ricardo Ferraço
pediu também a retirada desse artigo. Conforme o teor de sua recusa
já transcrito, o senador Requião disse: “configuram evidentes
abuso de autoridade”.
Mas
o artigo 312 do código de processo penal prevê prisão preventiva,
como segue:
A
prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem
pública, da ordem econômica, por
conveniência da instrução criminal,
ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da
existência do crime e indício suficiente de autoria.
Se
um juiz pode decretar prisão preventiva, por que “a condução
coercitiva de testemunha ou investigado” seria abuso de autoridade?
Está claro que é apenas uma forma leve de prisão preventiva,
imprescindível em certo momento de uma investigação. Sobretudo
envolvendo pessoa tão influente, com tanto poder de pressão sobre
funcionários e autoridades, como um ex-presidente e poderoso
sindicalista.
Criminalização de prova extraída de qualquer comunicação e documento de advogado
Retiraram
o teor do artigo 28, mas incluíram seu teor no artigo 44, no qual
pretendem criminalizar também outros atos relativos à atividade de
advogados.
Assim
os criminosos poderão debochar do povo e da Justiça, falando até
por telefone sobre seus crimes com seus advogados, sem que essas
conversas possam ser usadas como prova em processo.
Pior
ainda, o uso desse tipo de prova poderia até permitir a anulação
de um processo, depois de todo o trabalho realizado e gastos com
investigação e processo judicial.
O risco de empurrarem tudo isso goela abaixo persiste
Pela
ata da sessão do Senado de 14/12, vê-se que houve um acordo para
que esse projeto fique no máximo três semanas na Comissão de
Constituição e Justiça do Senado e seja logo depois levado para
votação. Precisamos divulgar e ficar atentos.